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Expedição ao Monte McKinley ou Denali – Alasca

por Rafa Etges
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A montanha mais alta da América do Norte fica bem no centro do Alasca, no coração de uma magnífica cordilheira de mais de 900 Km de extensão. Seu pico congelado fica exposto à 6.164 metros acima do nível do mar, separado de sua base por imensas paredes de granito, gelo e neve que se erguem com uma distância vertical maior do que as do monte Everest no Himalaia.

O nome oficial da montanha é McKinley, dado por mineradores que buscavam ouro no Alasca em 1896, em apoio a um candidato à presidência americana da época. Mas hoje em dia a grande maioria dos montanhistas usam o nome original, dado pelos índios Athabasca: Denali, que significa “A Maior” (The Big One).

Cordilheira do Alasca

Geleiras, paredões e encostas da Cordilheira do Alasca

A primeira tentativa de escalar a montanha aconteceu em 1903, pela perigosa face norte, e falhou. Em 1906 o explorador Frederick Cook anunciou ao mundo a sua conquista do cume, mas a notícia foi recebida com suspeita e mais tarde rejeitada como uma farsa. Em 1910 quatro amadores sem experiência prévia de montanhismo passaram três meses tentando subir a montanha, conseguindo alcançar um cume secundário. Porém seu feito só foi aceito em 1913, quando o cume principal foi conquistado por William Harper, nativo do Alasca, e seu grupo avistou o marco deixado três anos antes (esse marco nunca mais foi visto, o que deixa essa historia em dúvida até hoje).

O clima no Alasca central é um dos mais extremos do mundo: na latitude 63 Norte, o Denali fica à apenas 320 Km do circulo ártico. A proximidade do polo combinada com a altitude extrema fazem com que no inverno as temperaturas beirem 70 graus abaixo de zero e ventos furiosos soprem com mais de 240 Km/h de velocidade, em uma escuridão interminável. A primeira ascensão ao cume feita durante o inverno polar aconteceu em 1982 e foi registrada no livro “Minus 148” cujo título se deve às temperaturas enfrentadas naquela empreitada.

E lá eu passei 3 semanas em uma tentativa de chegar ao cume como membro de uma expedição com mais 6 montanhistas e 3 guias profissionais.

monomotores ‘Otter’ no Alasca

Assim que o tempo permitiu, dois pequenos monomotores ‘Otter’ equipados com esquis voaram entre a cordilheira do Alasca até pousarem em uma geleira na base do Denali, transportando nossa expedição e suprimentos. Antigamente essa viagem levava vários dias e era feita com a ajuda de trenos puxados por cães.

Ao contrario da subida de 1982, nós fomos no auge verão. No inicio do mês de Junho o dia dura 24 horas (é impossível dormir sem cobrir o rosto) e as temperaturas ficam positivas quando o sol está brilhando e o tempo calmo, ou por volta de 40 abaixo de zero durante as longas tempestades que varrem o monte.

Chegando lá: Toronto – Vancouver – Anchorage – Talkeetna – Kalhitna – DENALI

O parque nacional do Denali fica à 4 horas de carro da cidade de Anchorage, no sul do Alasca. O voo Air Canada Toronto > Vancouver > Anchorage levou a maior parte de um dia incluindo o translado em Vancouver, e eu precisei embarcar com duas bolsas carregadas de equipamentos e 22 dias de comida (é interessante declarar sua bagagem e dizer ao oficial da alfandega de que você não terá endereço fixo nos EUA pois estará subindo uma montanha remota. Essa lição eu aprendi em 2005 ao atravessar a fronteira entre Quebec e o estado de Vermont nos EUA com um grupo que ia atravessar as Cordilheira Branca (White Mountains) e subir o Monte Washington. A minha falta de experiência, nervosismo, e o passaporte e sotaque Brasileiros me causaram sérias dificuldades – hoje já sou ‘vacinado’ e sempre forneço o endereço da sede do parque).

De Anchorage nosso grupo se reuniu e pegamos uma van para a cidadezinha de Talkeetna, ao norte. Esse vilarejo tem poucas ruas e menos de mil habitantes, é cercado pela tundra e rios selvagens, e é frequentemente visitado por alces e ursos. O lugar não é considerado um município pelo governo e a população local elegeu um gato chamado “Stubbs” como prefeito honorário em 1997 (Stubbs ainda está no poder). Em Talkeetna duas microempresas de aviação competem pelos serviços de transporte para a montanha, além de levarem turistas em tours aéreos pelo parque. Contratamos dois monomotores para levar nossos 10 integrantes e todo equipamento para a base do Denali.

Preparação pra subir o Denali

Organizando suprimentos, que precisam ser pesados antes de embarcarem nos nossos ‘Otters’.

O voo de 40 minutos é uma experiência inesquecível, e para mim talvez tenha sido a mais memorável de toda a viagem. Aquele pequeno avião deixa toda a civilização, com a seus confortos e problemas, para trás. Todos os meses de treinamento e preparo convergem naquele ponto, e os sorrisos nervosos mostram como nos sentimos felizes e apreensivos com o imenso desafio à frente, materializado nas montanhas ao nosso redor. Nosso piloto encara as muralhas da cordilheira sem hesitar, e voamos tão próximo de suas paredes que vemos cada detalhe à metros de distancia (veja o vídeo abaixo, com os preparativos, o voo para a montanha, e a escalada). Finalmente pousamos na geleira de Kalhitna, na base do Monte McKinley.

Adentrando na montanha

Logo que chegamos desembarcamos toda a nossa bagagem, enquanto outra expedição que retornava enbarcou de volta para a civilização. Estávamos no primeiro acampamento-base, o portão de entrada do Denali há 2.220 metros de altitude. De lá começamos a longa subida, avançando para acampamentos cada vez mais altos: Campo 1 (2.440m ou 8.000 pés), Campo 2 (2.920m ou 9.600 pés), Campo 3 (3.350m ou 11.000 pés), e Campo 4 (4.390m ou 14.400 pés).

Acampamento Denali

Acampamento com vista 🙂

Expedição Denali no Alasca

Mais imagens do acampamento e do sol que nunca dorme no verão do Alasca

Até o acampamento 3 nós avançamos usando sapatos de neve (“snow shoes”) e puxando trenós carregados de suprimentos, ligados por cordas em nossas mochilas. Mas a partir dali a montanha ficaria mais íngreme e teríamos de trocar os snow shoes por presas de aço no solado das botas (“crampons”), e não iríamos mais ter a “facilidade” de puxar os trenos – toda a carga seria carregada nas mochilas que quase explodiam de tão cheias.

A paisagem era surreal: as vezes caminhávamos sob o imenso céu azul que faz com que a neve reflita a luz com tanta força que pode cegar, e outras vezes viajamos por horas dentro de tempestades de vento e neve que castigam o rosto e faz com que se veja apenas um ou dois metros à frente.

Realidade do alpinismo

O dia-a-dia de um alpinista …

A cada 6-8 dias de caminhadas tínhamos um dia de descanso nas barracas. Nesses dias a atividade principal é deitar no saco de dormir e descansar, ler ou escutar a neve caindo do lado de fora (escrevo essa parte do texto em um dia de descanso, no acampamento 4). Dias de descanso são tão esperados como o final de semana em uma quinta-feira de trabalho. Mas também podem ser entediantes: ficar 24 horas deitado em uma barraca de 2 por 2.5 metros, com dois companheiros e toda a parafernália da expedição (normalmente molhada) passa a ser um teste extremo de paciência. Por isso elaboramos pequenos projetos para passar o tempo: consertos e ajustes no equipamento, ou passeios pelo acampamento (descobri mais três times com Brasileiros subindo o Denali, e que fecilidade ao escutar o bom e velho português e ouvir suas estórias e trocar informações sobre a rota na montanha!).

Alta montanha – Ataque ao cume!

Mapa dos acampamentos de base do Denali

Mapa dos acampamentos de base do Denali

Depois do Campo 4 (14.400 pés) o próximo acampamento seria o último antes do cume, o Upper ou High Camp há 5.242 metros ou 17.200 pés. Por isso descansamos no Campo 4 por dois dias, e fizemos mais viagens até o Campo 5 para levar suprimentos suficientes para a possível espera por um período de tempo bom. O caminho entre os Campos 4 e 5 é extremamente íngreme e exige o uso de equipamento técnico para escalar uma parede de neve e gelo com cordas fixas. Após essa parede nós continuamos avançando com cautela pela crista das montanhas, com pouco mais de meio metro para caminhar entre precipícios à esquerda e à direita. Nessa hora uma queda teria consequências trágicas e andamos em silêncio, com apreensão por conta do vento forte que levantava a neve e sumia na “imensidão de nada” à nossa volta. Deixamos as cristas para entrar em terreno mais protegido, atravessando o platô que leva ao ultimo acampamento. Quando repetimos a viagem no dia seguinte o tempo estava bem mais calmo e tínhamos o beneficio da experiência do dia anterior, e até podemos apreciar a vista e tirar algumas fotos.

O grande Campo 4, 14.400 pés – visto do alto das cordas fixas.

O grande Campo 4, 14.400 pés – visto do alto das cordas fixas.

Retornando do Campo 5, 17.200 pés

Retornando do Campo 5, 17.200 pés

Horas depois de chegarmos no Campo 5 fomos atingidos por uma tempestade de neve que inviabilizou um ataque ao cume e nos prendeu nas barracas durante 3 dias. Aquela altura minha bateria solar havia acabado e não tinha mais nada para ler, restava apenas deitar e esperar o tempo acalmar, sem poder sair da barraca por mais que alguns minutos. Um companheiro tinha um radio FM que pegava uma estação de Anchorage, e ouvíamos a previsão do tempo, entre horas intermináveis de musica country. Sabíamos que a frente iria passar em breve através do radio de nossos guias, e às onze da noite do terceiro dia eu vi o sol brilhando – finalmente teríamos a chance de tentar o cume no dia seguinte, 29 de Junho.

Logo acima do Campo 5 existe outra parede de gelo apelidada de ‘Autoban’, em homenagem às estradas de alta-velocidade da Alemanha – o frio é intenso e o sol não bate ali, e precisamos avançar rapidamente para não congelar a pele. Naquela manhã, após três dias de nevascas, a neve era tão profunda que três expedições que saíram na nossa frente se amontoaram no caminho, sem fazer nenhum progresso durante mais de uma hora. Sabíamos que eles estava tentando limpar o caminho e abrir uma trilha segura. Também havia o risco de avalanches, e a rota precisava ser calculada com cautela. Parte do nosso equipamento havia soterrado durante a tempestade e perdemos 2 horas escavando e nos reorganizando, mas isso nos deu a chance de acompanhar o progresso dos times à frente, e decidir quando subir com mais calma. Por volta de 10 da manha a rota estava desimpedida e nós partimos.

Eu estava extremamente cansado naquela manhã, as semanas de exercício em altitude extrema estavam cobrando o seu preço (de volta em Toronto eu vi que perdi quase 10 quilos naquelas 3 semanas no Alasca). Me sentia muito fraco e tinha sérias dúvidas se teria condições de chegar ao cume. Mas além do meu negativismo interior eu não tinha nenhuma justificativa para desistir, e pensava que os outros membros da expedição deveriam estar tão fatigados como eu. Após superarmos a Autoban o terreno ficou mais fácil e me senti bem melhor – seriam apenas mais algumas horas de subida e estaríamos no cume do Denali.

Nós chegamos ao cume no meio da tarde – conseguimos! Eu estava exausto e bati uma ou duas fotos antes de sentar perto do cume para descansar, e pedi à um guia para ficar de olho em mim pois tinha receio de cometer algum erro crítico na descida (já comentei algumas vezes que a grande maioria dos acidentes de montanhismo acontecem na descida após cume, causados pelo cansaço, frio no final do dia, e relaxamento por pensar que o mais difícil já passou). Em poucos minutos nos organizamos e descemos – o regresso foi rápido, pois estávamos motivados a sair dali e voltar à segurança das barracas e evitar o frio extremo do final do dia. No caminho de volta eu estava extremamente feliz e aliviado pela vitória, e no fim do dia fui o primeiro a chegar no Campo 5 e saborear o que sobrou da minha água, vendo meus amigos retornarem em seguida e comemorando com cada companheiro.

A descida do cume

A descida do cume

Marco do serviço geológico americano

Marco do serviço geológico americano

Nosso grupo após o retorno em Talkeetna.

Nosso grupo após o retorno em Talkeetna.

A descida do cume, o marco do serviço geológico americano, e nosso grupo após o retorno em Talkeetna.

Veja mais:
Monte McKinley – Wikipedia
Alpinista Ana Elisa Boscarioli alcança o cume do Denali em 24 de Junho e se torna a primeira mulher Brasileira a conquistar os “Setes Cumes”

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João Pedro Mahler De Araujo 24 de dezembro de 2015 - 18:10

olá, tudo bem rafa?
O que é preciso para subir no monte Denali e nos demais picos que você ja foi?
existem empresas que levam turistas mediante algum preparo? ou tem que ter subido outros picos previamente? e qual o custo disso tudo? tenho muita vontade de subir algum pico assim. O maior que subi foi o pico do Itambé em MG com pouco mais de 2000 metros hahaha mas quero mais que isso…

Responder
Enrico Luzi 14 de abril de 2015 - 12:26

Já seguia o Viajoteca há um tempo, mas não tinha visto seus posts! 😀 Acabo de ir ao base camp do Everest (tentando terminar os posts sobre ele no meu blog…) e estou planejando a ida ao Kili e encontrei seu texto. Acabei lendo todos, hehehe Parabéns e vou perturbar por uns bizus muito em breve. Abraço!

Responder
viajoteca 15 de abril de 2015 - 11:32

Oi Enrico,
O Rafa arrasa nos textos sobre trilhas e aventuras, né?
Espero que aproveite muito o Kili, é uma viagem dos meus sonhos também (Mirella falando)
Grande abraço

Responder
Rafa 16 de agosto de 2014 - 08:09

Muito obrigado mesmo :), mas eu também admiro a coragem dos blogueiros que não criam raízes para viajar esse mundo todo, assim como das pessoas que criam e fazem sacrifícios diários pelas suas famílias, e aquelas que trabalham em ONG’s para ajudar desconhecidos, ou proteger o meio-ambiente, os animais… existem muitos tipos diferentes de coragem!

Responder
Monique 15 de agosto de 2014 - 12:46

Admiro sua coragem! You rock!

Responder
Mirella Matthiesen 15 de agosto de 2014 - 20:29

Verdade Monique… também admiro a coragem do Rafa 🙂
bjão

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